Lendo a Revista de Domingo, vejo uma matéria bacaninha, cheia de boas intenções, "politicamente correta", com a boa surpresa de ver uma foto do Getúlio Damado com um músico inglês. Essa poderia ser a legenda. Seria uma estranha legenda. Quase tão estranha quanto a legenda publicada. "Peter Gabriel com um vendedor de souvenir".
Subjetivar, empoderar, mobilização, reciclagem, alternativa, são todas palavras bonitas que correm o risco de ter seus significados esvaziados se por trás delas não há substância, e essa muitas vezes se evidencia a partir do mínimo. Subjetivar é tornar sujeito. Sujeitos têm nome.
Por acaso, em relação a essa foto, sei o nome do sujeito, que aliás não deve ser considerado um vendedor de souvenir (nada contra vendedores de souvenirs). Ele talvez nem ligue não ter lhe sido registrado o nome, embora para a história de sua família faça diferença algum dia.
Não é a primeira vez que percebo essa assimetria entre nomeados e anônimos, e em várias outras matérias que pareciam destacar pessoas, continuei sem saber quem eram realmente as pessoas, mesmo que o contexto e a contribuição delas parecesse interessante.
Por trás da seleção de que nomes merecem crédito, é possível perceber todo um universo. Esse universo se desenha entre nomeados e anônimos, como poderia dizer Norbert Elias.
Talvez isso tenha acontecido por falta de tempo ou interesse para preparar com cuidado uma matéria, o que contribui para permanecermos na ignorância em relação às pessoas da foto.
Mas pode ser também um sentido de subdesenvolvimento latente, que seleciona quem merece ou não ter crédito. Para um lado designa personalidades já destacadas na mídia, estrangeiros e contatos interessantes, e para outro lado, os outros, aqueles que não conhecemos, que ninguém disse que devíamos conhecer e que diante dessa filosofia, anônimos continuarão. E por conta disso, reforçamos estereótipos. E criamos esquemas de valores que impactam direta ou indiretamente na vida de sujeitos.
A questão vai bem além dos quinze minutos de Wharol. Trata de pesquisa, informação, respeito, pertencimento e reconhecimento de lugar no mundo. E é a ausência desses mesmos valores que nos faz, como brasileiros, perceber que volta e meia fomos colocados na caixinha intitulada genericamente de "típicos".
Se trata afinal de escolher entre reprodução ou transformação de práticas tão comuns que parecem nem precisar ser questionadas.
Talvez já seja hora de veículos responsáveis pela comunicação reorganizarem suas estruturas de informação. Considerar certos pressupostos básicos só vai contribuir para sua melhoria. Em uma matéria, vale lembrar e apontar que pessoas têm nome, que coisas são feitas por pessoas que têm nome, e por aí vai.
Talvez tenham que contratar mais profissionais, ou aprimorar o quadro de que dispõem, o que não deixa de ser bom.
Se a foto chegou ao jornal pelas mãos de quem vem de fora, esses obviamente não têm a obrigação de saber o nome do Getúlio e de todos os outros artistas, artesãos e cidadãos com quem vão encontrar, embora um pouco de curiosidade não faça mal.
Mas se um jornal carioca pega uma foto assim, numa pesquisa fácil pode chegar a informações que só farão tornar nossa cidade mais unida, acolhedora e consciente de seu próprio valor. E isso começa nas ações mínimas.
Na foto, Peter Gabriel e Getúlio Damado, dois praticantes de conceitos de sustentabilidade.
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