segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Quanto à Domingos Montagner, sua passagem e a Arte



Me chama atenção a comoção gerada pela morte de Montagner, que eu mesmo poderia chamar de querido, porque assim o era. 

Creio que essa comoção merece ser estudada mais a fundo e que ela transcende o poder de penetração da tv, como pressupõem alguns, embora esta colabore, sem dúvida. Na véspera também partiu o tão querido artista Duda Ribeiro, valente e irreverente guerreiro após muito duelar e negociar com a velha senhora que a todos nos levará quando chegar o momento. Dentro do coração fica uma esperança: libertou-se de sofrimentos e desenvolveu uma profunda espiritualidade para ajudá-lo nessa hora. Que descanse em Luz e Paz.

No caso de Domingos Montagner há o choque que sempre temos com o imprevisível, o inexorável – a tragédia de um homem frente a seu destino, sem dúvida, mas também o transcende. Muitas pessoas morrem de formas terríveis e televisionadas, gerando um sentimento de tristeza, revolta, etc, mas aqui o sentimento é de outra ordem. 

Ultrapassa até, nesta reflexão, a incompetência dos responsáveis em sinalizar o local e a falta do imaginário de segurança em vários níveis, tão bem apontado por pesquisador da COPPE UFRJ em entrevista sobre o desastre na ciclovia do Joá, que pode ser estendido à Mariana e a tantos casos, inclusive esse, infelizmente. 

Me atenho à sensação coletiva de proximidade com Montagner, de perder mais que um amigo, talvez um parente. E falo com propriedade, a um mês da morte de meu próprio pai. Falo como artista. 

O que dá essa sensação coletiva de conhecê-lo tão bem, de tê-lo adentro de si, é a Arte do ator, que ele tão bem dominava, de expressar o indizível que nos une, habita e transcende. Fazia isso em tv, em cinema, em teatro e em circo. Transbordava. E o mergulho era nosso. Fácil, direto, sem pensar. Junto com autores, diretores, colegas, ele tocava seu instrumento – a si mesmo e a nós. 

Não conheci Domingos Montagner. Conheci sua Alma. É isso que se conhece seja qual for o veículo em que se expresse a Arte. E esse é um momento de encontro. Para além do verbal e da inteligência lógico-matemática. 

Escrevo e publico esta reflexão porque urge pensar o papel da Arte em uma época na qual artistas foram chamados de vagabundos para em seguida, nos jogos Olímpicos e Paralímpicos, deslumbrarem literalmente o mundo com uma mensagem de beleza, respeito, consequência, competência, identidade e amor por si, pelo outro, pelo Brasil, pelo planeta. 

Quando assisto políticos na tv chorarem, jurarem, gritarem, levanto minha placa de interrogação interna, pelo descrédito a uma classe que muitas vezes não me representa, apesar de ter votado e colaborar com o pagamento de seu salário todo mês para que o fizesse. Mas não tenho dúvida alguma da sinceridade de uma obra de Arte quando reconheço o Humano nela. 

Talvez seja cada vez mais de Arte e de artistas que precisamos, para que não faltem boias, para desenvolver o que há de melhor em cada um de nós e em nosso povo. Para haver saúde e educação de qualidade. Para as coisas boas acontecerem. E chorarmos juntos as difíceis, com a tranquilidade de saber que foi realmente o destino, ou o acaso, se preferirem, mas nunca o descaso. 

Obrigada, Montagner, pela sua breve, emocionante e luminosa passagem pela minha vida e a dos meus. Que sua família herde a energia e a Luz que seu artista emanava. Que seu espírito esteja envolvido em Luz. E nós também.

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