Me chama atenção a comoção
gerada pela morte de Montagner, que eu mesmo poderia chamar de querido, porque
assim o era.
Creio que essa comoção merece ser estudada mais a fundo e que ela
transcende o poder de penetração da tv, como pressupõem alguns, embora esta
colabore, sem dúvida. Na véspera também partiu o tão querido artista Duda
Ribeiro, valente e irreverente guerreiro após muito duelar e negociar com a
velha senhora que a todos nos levará quando chegar o momento. Dentro do coração
fica uma esperança: libertou-se de sofrimentos e desenvolveu uma profunda espiritualidade
para ajudá-lo nessa hora. Que descanse em Luz e Paz.
No caso de Domingos
Montagner há o choque que sempre temos com o imprevisível, o inexorável – a tragédia
de um homem frente a seu destino, sem dúvida, mas também o transcende. Muitas
pessoas morrem de formas terríveis e televisionadas, gerando um sentimento de
tristeza, revolta, etc, mas aqui o sentimento é de outra ordem.
Ultrapassa até, nesta
reflexão, a incompetência dos responsáveis em sinalizar o local e a falta do
imaginário de segurança em vários níveis, tão bem apontado por pesquisador da
COPPE UFRJ em entrevista sobre o desastre na ciclovia do Joá, que pode ser
estendido à Mariana e a tantos casos, inclusive esse, infelizmente.
Me atenho à sensação
coletiva de proximidade com Montagner, de perder mais que um amigo, talvez um
parente. E falo com propriedade, a um mês da morte de meu próprio pai. Falo
como artista.
O que dá essa sensação
coletiva de conhecê-lo tão bem, de tê-lo adentro de si, é a Arte do ator, que
ele tão bem dominava, de expressar o indizível que nos une, habita e
transcende. Fazia isso em tv, em cinema, em teatro e em circo. Transbordava. E
o mergulho era nosso. Fácil, direto, sem pensar. Junto com autores, diretores,
colegas, ele tocava seu instrumento – a si mesmo e a nós.
Não conheci Domingos
Montagner. Conheci sua Alma. É isso que se conhece seja qual for o veículo em
que se expresse a Arte. E esse é um momento de encontro. Para além do verbal e
da inteligência lógico-matemática.
Escrevo e publico esta
reflexão porque urge pensar o papel da Arte em uma época na qual artistas foram
chamados de vagabundos para em seguida, nos jogos Olímpicos e Paralímpicos, deslumbrarem
literalmente o mundo com uma mensagem de beleza, respeito, consequência, competência,
identidade e amor por si, pelo outro, pelo Brasil, pelo planeta.
Quando assisto
políticos na tv chorarem, jurarem, gritarem, levanto minha placa de
interrogação interna, pelo descrédito a uma classe que muitas vezes não me
representa, apesar de ter votado e colaborar com o pagamento de seu salário
todo mês para que o fizesse. Mas não tenho dúvida alguma da sinceridade de uma
obra de Arte quando reconheço o Humano nela.
Talvez seja cada vez
mais de Arte e de artistas que precisamos, para que não faltem boias, para desenvolver
o que há de melhor em cada um de nós e em nosso povo. Para haver saúde e
educação de qualidade. Para as coisas boas acontecerem. E chorarmos juntos as
difíceis, com a tranquilidade de saber que foi realmente o destino, ou o acaso,
se preferirem, mas nunca o descaso.
Obrigada, Montagner, pela
sua breve, emocionante e luminosa passagem pela minha vida e a dos meus. Que
sua família herde a energia e a Luz que seu artista emanava. Que seu espírito
esteja envolvido em Luz. E nós também.
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