terça-feira, 10 de novembro de 2015
Ler os depoimentos de tantas mulheres, amigas ou não me fez pensar e escrevi esse texto. Ao reler marquei com vários "prestenção", pois destacam o quanto naturalizamos o tema.
Não sofri muito assédio
quando era garota, pelo menos nada mais violento do que o básico.Mas acho que não foi só proteção divina de valor
incalculável, mas também uma certa feiura (prestenção),
não necessariamente nessa ordem. Calma, não pensem que sofri muito por ser feia. Tinha
meu namoradinho e adoro ler. Talvez não tivesse lido tanto se não fosse feia.
Não sei se posso dizer que a feiúra também me protegeu. Meu apelido era Girafa. E era difícil achar
espaço no rosto entre o aparelho extra-oral para acabar com a dentuça, os
óculos e a acne. Sim. Era terrível. Mas um dia o aparelho saiu, a acne melhorou
e os óculos, bem, os óculos seguem aí, mas eu achava lindo usar óculos quando
era criança (até precisar de um par).
Mas por volta de 14
anos me lembro de junto com as amigas, assediar um garoto. É, nem sempre a
gente é santinha... na época foi uma doce vingança contra um possível inocente
do outro sexo. Para querermos nos vingar, é claro que já passávamos por algo
além dos fiufius que vinham das obras em construção. Me lembro mais
especificamente de um certo diretor do colégio de padres que adorava checar de
surpresa a caderneta das meninas. Pondo a mão no bolso do uniforme, que ficava
do lado esquerdo do peito. Comigo não tentou, já disse que eu era feia. Mas fez
isso com quase todas. Até que a Renata, uma morena de olhos verdes deu-lhe um
safanão e foi parar na secretaria, suspensa.Foi um escândalo.
A vontade de vingança
surgiu quando estávamos em dez, mais ou menos, e entramos em uma ruazinha deserta
da Tijuca. Lá da outra ponta, surgiu um rapaz sozinho. Sozinho. Alguém disse:
imagina se fosse o contrário, uma de nós sozinha e um grupo de garotos na outra
ponta. Foi quanto bastou. O rapaz do outro lado parece que leu nossos
pensamentos e subiu na calçada. Olhou para o chão. Apressou o passo. Tentou nos
ignorar. Talvez tenha rezado. Nós do
lado de cá, falamos algumas das gracinhas que estávamos acostumadas a ouvir.
Não foi bonito. Pareceu até engraçado na hora. Talvez
tenha sido didático para ele. Mas será que ele era um daqueles capazes de fazer
isso? Eu juro que eu não era. Nem cada uma daquelas meninas em separado. Mas o grupo, o
grupo pode corromper muito nessa idade.
Será que os meninos percebem isso?
Já adulta, me lembro
de uma viagem de ônibus na volta de um churrasco em casa de meu padrinho na
Ilha do Governador a que não podia
deixar de ir. Estava um calor danado, fui com umas bermudas bem comportadas (prestenção),
pois voltaria sozinha, já que estava em temporada no Teatro Ginástico, no
Centro do Rio.
Pois foi na volta do churrasco que fiz a besteira de sentar na
janela. Mulher não pode sentar na janela, Fica espremida. Tem que sentar na ponta. E ter um alfinete de fralda caso necessário. (prestenção)
Entrou um sujeito pequeno e magrinho, que sentou do meu lado e escancarou as pernas. Me
ajeitei, sou grande, ele escancarou mais.
Qualquer
mulher que já andou de ônibus conhece isso. A essa altura, o ônibus já estava
lotado e estávamos entrando na Av. Brasil. Fui me controlando e o cara tomando
espaço. Até que não aguentei e pedi educadamente que ele respeitasse o limite
dele.
O sujeitinho me respondeu gritando que era homem, que tinha que abrir a
perna. Senti o sangue subir.
Foi quando percebi um homem enorme, forte em pé um
pouco mais para trás, amassado como todos os outros.
Não hesitei, chamei o
homem com autoridade e pedi que ocupasse o meu lugar. O homem sem entender
nada, muito sem graça, obedeceu e sentou. Imediatamente o sujeitinho se
encolheu, até porque não dava para ser de outro jeito, pois o outro realmente
precisava de espaço. Foi quando tive a boa ideia de, ao invés de ficar calada (prestenção), soltar
“ Agora conseguiu
fechar a perna, né?”
Antes de ir me entupir com as pessoas mais à frente. Só tive tempo de ouvir a resposta bem alta: “Sua,
sua.... sua sardinhas 88!”
Foi difícil controlar
o riso. Todo mundo no ônibus me olhando e eu como se nada.Só troquei um olhar de
solidariedade com algumas moças já que estavam acompanhando a história. Para
quem não sabe, sardinhas 88 era uma marca de sardinhas que fazia uma propaganda
na tv com a belíssima Adele Fátima sambando.
Imagina, que glória a ex- menina
feia ser comparada àquela deusa, ainda que de forma tão prosaica.
Mas aí veio o medo. Um
grande medo. Lembrei que ia saltar sozinha na cidade deserta. Sozinha e de
bermudas.
Para fazer um vaudeville onde ficava de biquíni. Na peça anterior,
uma peça cabeça, texto de Rubem Fonseca, um dia um tarado ficou falando
horrores que ele imaginava que meu personagem tivesse feito, foi assustador
mesmo.
E o tempo passava e
não via o sujeitinho saltar. Deve ter saltado com um monte de gente. Não o vi
mais, graças a Deus.
Mas o medo me acompanhou por bastante tempo. Mesmo quando é engraçado, pode ser terrível.
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