segunda-feira, 21 de setembro de 2015
Claro que vale a pena
ver o filme da Muylaert, claro que a Casé está maravilhosa, a Teles também, quase
tudo bacanérrimo.
Mas não quero comentar o quase nesse momento e nem o tudo
bacanérrimo também.
O que me chamou
atenção a ponto de ter vontade de escrever sobre o tema foi um detalhe
estruturante do roteiro de Anna Muylaert que evidencia uma mudança de paradigma
nos últimos anos.
Quando Jéssica (Camila
Márdila), a filha da empregada Val (Regina Casé), chega para prestar vestibular
para Arquitetura os patrões de Val estranham. Inclusive o rapaz (Michel
Joelsas), que também vai fazer vestibular, meio sem objetivo nem preparo,
embora com todas as condições. A patroa (Karine Teles) chega a fazer um pequeno
comentário irônico sobre ascensão da classe C.
Questionada, a moça
demonstra que sabe muito bem do que está falando, e suas razões para isso. Em
sua defesa, ela menciona “um professor” que teria descortinado esse universo
para ela. E apontado a importância social de sua escolha. Jéssica não quer
fazer Arquitetura só para ascender socialmente. Ela quer transformar uma
realidade por meio da Arquitetura.
E aí chegamos ao ponto
que me chamou atenção. Um professor. Um professor que cumpre seu papel. Ela não
falou numa escola, não chegamos a esse ponto, ao menos no filme, quiçá no país.
Mas num professor, esse personagem discreto, como tantos e tantas que conheci, ao cumprir sua função
de ensinar, estimular o conhecimento e o raciocínio crítico-construtivo, colaborou
para Jéssica transformar sua vida. A partir daí, toda aquela lógica que se
reproduzia dia após dia, vai se transformar.
Uma coisa legal de
tudo que li e ouvi sobre o filme é que não soube de ninguém que tenha duvidado da
formação da articulada Jéssica. É um pequeno sinal de mudança da sensibilidade
social. Sabemos que é possível de acontecer. Anos atrás, podia parecer
inverossímil. Hoje não.
Não estou em campanha,
nem quero fazer discurso. Antes, quero deixar um depoimento. Durante nove anos
estive num ponto de observação – e ação – privilegiado, no Museu da Vida(MV)/COC/FIOCRUZ.
Pude estar em contato com a elite do ensino no Rio de Janeiro. E defino como
elite todos aqueles professores que, para além de suas obrigações curriculares
e limitações temporais e espaciais, consideravam importante que seus alunos se
apropriassem do MV, como certamente faziam com outros espaços acessíveis a
eles, e ampliassem seus universos de conhecimento, interesses e escolhas.
Eles vinham da rede
pública e privada e lá se misturavam, com um certo estranhamento de início, logo
superado pela percepção de que afinal, não eram tão diferentes assim. E tinha
muita gente boa, entre professores e estudantes.
Além deles, monitores, estagiários, bolsistas
de diversos níveis de escolaridade e também sócio-econômicos (muitos vindo de comunidades)
interagiam com o pessoal multidisciplinar do museu quanto aos temas abordados
no MV a partir das diretrizes elaboradas
por Seibel e Baeta.
É com felicidade que
acompanho ainda hoje, anos após ter saído de lá, o desenvolvimento de vários daqueles
rapazes e moças, hoje formados em profissões variadas, ativos
profissionalmente, vários na própria FIOCRUZ .Eles não reproduziram
a história escolar de seus pais, e quando possível, contando com a fibra
destes, transformaram a história de suas famílias.
Poderia citar autores,
defender teses. Não quero, tenho preguiça, dou a maior força para quem quiser
fazer.
Mas o elã da
personagem do filme que sentia ter o mundo à frente, querendo conhecer o
edifício Copan e a Universidade para a qual iria prestar concurso, me motivaram
a escrever, pois reconheci aí a história de tanta gente que conheci. No MV e na
vida, como aconteceu recentemente no CIEP 199 Charles Chaplin, em Jardim
Gramacho, onde apresentei minha peça a convite da prof. Jaciléa Donadio.
Escrevo porque é duro.
O dia a dia é duro. Compensador, mas duro. Há que ter perseverança, paciência,
humildade e estômago. Porque não precisava ser assim.
E as vezes parece que
é tudo em vão. Mas não é. E é bom demais quando se consegue avançar mais um
passo.
Agora imaginem se o
professor for remunerado à altura de sua responsabilidade e competência, se tiver
condições reais de desenvolver seu trabalho em escolas equipadas, com autonomia,
apoio e pessoal preparado para lidar com o ouro que tem nas mãos: crianças,
jovens, gente de todas as idades querendo transformar o mundo para melhor.
Que filme lindo vai
ser também, não é, Muylaert?
2 Comentários:
Aprendi muito com alguns dos meus professores, principalmente a vivenciar o despertar da atração pelos temas, porque creio que a curiosidade já mora em nós. Jéssica é interessada, por isso é interessante. A vida em nossa volta, em parte, nos é apresentada, pelos nossos professores, pelos filmes que assistimos, pelo que vamos lendo no decorrer da vida. Ah! Não posso esquecer da música. Viva a música que gostamos de ouvir!
Texto lindo, sensibilidade transbordante, empolgante, exuberante!
Sim, concordo com você. Vejo muita mudança social, pessoas que, a duras penas, não reproduzem a realidade assistida durante toda a vida, assim como Jéssica. Ela não é fictícia, está aqui, aí, em todo lugar. É a filha da faxineira da minha mãe, que estuda letras na USP, é o filho do casal de pasteleiro s na porta da escola, que além de estudar na melhor Universidade da baixada santista ainda faz ensino técnico e cumpre 2 estágios. Há que ter olhos atentos e otimistas para ver e acreditar na mudança que nosso país enfrenta. Para melhor, claro, muito melhor...
Beijocas Alice...
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